domingo, 17 de outubro de 2010

Lei Seca está a caminho de cair no descrédito




O futuro da Lei Seca (número 11.705/08), em vigor desde junho de 2008, está em xeque. Juristas ouvidos pelo Estado de Minas consideram que a norma criada para salvar vidas está a caminho de cair no descrédito e que a única possibilidade de salvação está em uma alteração no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) pelo Congresso Nacional. A discussão voltou a ganhar força no país depois que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu arquivar uma ação penal contra um motorista de São Paulo flagrado na contramão e com sintomas de embriaguez. Abordado pela Polícia Militar, ele se recusou a soprar o bafômetro e a se submeter ao exame de sangue, amparado no princípio constitucional segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si. Diante da recusa, o condutor foi autuado pelo militar, com base nos sintomas de que dirigia alcoolizado.Mas os julgadores, em decisão divulgada nesta semana, deram razão ao infrator: os ministros entenderam que a embriaguez deve ser comprovada mediante teste de bafômetro ou exame de sangue. Na prática, o resultado reforça o entendimento de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio e abre precedente para que outros infratores sigam caminho semelhante. A saída, na visão da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), é a reforma da legislação.O presidente da entidade, Luís Cláudio Chaves, avalia que a decisão do STJ mostra que a norma é inócua nesse aspecto, pois, ao determinar uma dosagem alcoólica limite, a Lei Seca adotou o chamado critério objetivo, que exige provas periciais para a punição. “Ninguém pode ser obrigado a se submeter ao bafômetro ou ao exame de sangue”, destaca Chaves, ponderando, contudo, que o infrator continua sujeito às penas administrativas, como a suspensão da carteira nacional de habilitação (CNH).A decisão dos ministros do STJ ainda aborda o confronto Constituição/Lei Seca. A preponderância é da Constituição, que ocupa o topo da hierarquia das leis brasileiras. O texto constitucional não diz, explicitamente, que ninguém é obrigado a produzir provas contra si próprio. Mas o parágrafo 3º do artigo 5º garantiu à Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, o status de lei constitucional.
A convenção é clara ao dizer que o cidadão tem o direito de “não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a confessar-se culpado”. “Embora nenhum cidadão de bem seja a favor da mistura álcool e direção, direitos civis previstos na Constituição Federal e até mesmo em estatutos supranacionais (Convenção Americana de Direitos Humanos) não podem ser desprezados pelo Estado”, reforça o advogado Daniel Portilho Jardim.O bacharel Rafael de Oliveira Lage tem mesma opinião. Autor do artigo A inconstitucionalidade da reforma do Código de Trânsito Brasileiro e seus aspectos sociais e morais, publicado no mês em que a Lei Seca foi sancionada, ele avalia que a norma “é inconstitucional, pois fere os direitos fundamentais da presunção de inocência, da não autoincriminação e da integridade física, psíquica e moral”. Apesar de também ser contrário à mistura álcool e direção, ele considera que o CTB “simplesmente desconsidera a existência e a supremacia da Constituição Federal”.Por sua vez, o relator da Subcomissão Especial para a Reforma do Código de Trânsito, deputado federal Marcelo Almeida (PMDB/PR), que também milita no Instituto Paz no Trânsito, lamenta o efeito da decisão do STJ, mas admite que os ministros agiram corretamente. Ele convoca os colegas parlamentares para que o Congresso dê uma resposta rápida à sociedade, corrigindo os artigos do CTB que afrontam o texto constitucional. “Precisa ser votado em novembro, rapidamente, o relatório com várias alterações. Uma delas é a mudança do artigo que define o crime no trânsito. O juiz precisa ter um rol de instrumentos para incriminar a pessoa que bebe e dirige”, disse o deputado, em entrevista em Brasília. Ele acrescentou que os “novos instrumentos” podem ser testemunhas e fotografias que reforcem a conduta inadequada do motorista.
EstatísticasApesar de toda sua importância, a Lei Seca não inibiu a associação entre álcool e volante por motoristas mineiros. No segundo aniversário da norma, em junho deste ano, balanço da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) mostrou que 4.108 condutores no estado foram detidos em flagrante por suspeita de consumo de bebida alcoólica. Foram 457 entre junho e dezembro de 2008, 2.252 em 2009 e 1.181 de janeiro a junho deste ano. A estatística revelou ainda que a Polícia Militar registrou, de janeiro a junho de 2008, 174 acidentes de trânsito que tiveram como causada presumida o álcool, número que saltou para 243 no segundo semestre daquele ano. Nos dois semestres de 2009, foram mais 468 ocorrências. O balanço fechou o primeiro semestre deste ano em 208 registros.O que diz a Lei 11.705/08O texto da chamada Lei Seca alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O artigo 165 considera infração gravíssima “dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”, estabelecendo como punição multa e suspensão do direito de dirigir por até 12 meses.Já o artigo 277 prevê que “todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência do álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado”.O que diz a Constituição da RepúblicaA atual Carta Magna, de 1988, não traz um artigo explícito dizendo que o cidadão não é obrigado a produzir prova contra si. Porém, o parágrafo 3º do artigo 5º diz que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".Neste caso, a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, assegura, em seu artigo 8º, o direito de a pessoa “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. Tal convenção foi ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992. Como o texto foi aprovado seguindo as exigências da Constituição, ganhou status de lei constitucional

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